“Toda a guerra, ao longo da história, teve início, meio e fim e, graças aos esforços de muitos e a uma longa negociação, chegamos ao tão esperado fim”, lê-se num comunicado conjunto do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), as duas maiores organizações criminosas do Brasil e das mais perigosas do mundo, distribuído na terça-feira, dia 25, a que a inteligência da polícia brasileira teve acesso.
A guerra começou em junho de 2016, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, com a espetacular execução do criminoso Jorge Rafaat, que controlava o tráfico de drogas entre os dois países e era chamado de Rei da Fronteira. Na altura, 100 matadores de aluguer ligados ao PCC e armados com metralhadoras antiaéreas capazes de derrubar aeronaves explodiram o carro blindado onde Rafaat e os seus seguranças, da Europa de leste, circulavam.
Com a tomada dessa rota, o PCC, com sede no estado de São Paulo, tornou-se hegemónico no tráfico de drogas sul-americano, incomodando o CV, sediado no Rio de Janeiro, obrigado a recorrer a circuitos alternativos pelo Peru e outros países. O CV, então, aliou-se a organizações menores no Norte e Nordeste contra o PCC gerando, a partir daí, banhos de sangue sobretudo dentro das prisões nessas regiões, como a de Manaus, a de Boa Vista ou a de Porto Velho, com um total de mais de 100 mortos e decapitados registados.
O serviço de inteligência do ministério da Justiça do Brasil revelou nos últimos dias o recente pacto de não agressão entre PCC e CV. Segundo reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, advogados das duas organizações estariam a trabalhar em conjunto para melhorar as condições dos presos de alta periculosidade.
Neste momento, o detido fica isolado numa cela individual, vigiada por câmara, com saídas diárias para banho de sol de apenas duas horas e com direito a visitas de duas pessoas por semana mas sem contacto físico. Os presos, entre os quais Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, e Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, os líderes históricos do PCC e do CV, condenados a penas de 342 e 309 anos de prisão, respetivamente, não têm direito a ver TV, ouvir rádio, ler jornais nem navegar na internet.
Segundo André Garcia, secretário nacional de políticas penais do ministério da Justiça, “o isolamento é necessário para que se interrompam os mecanismos de comunicação e articulação das lideranças”.
As autoridades, entretanto, acreditam que a aliança entre as organizações ultrapasse as questões jurídicas. “A união das duas maiores organizações criminosas do país pode levar a um incremento no tráfico internacional de cocaína e no tráfico de armas para o Brasil com o compartilhamento de rotas”, diz Lincoln Gakiya, promotor público que investiga o PCC há mais de 20 anos.
A prova de que a paz entre PCC e CV voltou foi dada na última quinta-feira, 27, quando 37 presidiários do primeiro requereram a transferência para cadeias que abrigam criminosos do segundo.
“O CV e o PCC estão colocando fim a esta guerra e refazendo uma nova aliança de paz, justiça, liberdade, lealdade, fraternidade, pelo bem comum, que é a busca pela paz onde ambas as organizações estiverem”, lê-se ainda no comunicado conjunto. “E deixamos a prerrogativa para outras organizações de que estamos abertos ao diálogo e, assim, incorporando ainda mais as nossas fileiras nessa empreitada, lutaremos de mãos dadas por um só ideal, que é: o crime fortalece o crime”.
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